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Por que você não é punk se não suporta o Black Lives Matter

Fonte: Alternative Press
Foto: Alice Baxley
Matéria: Bobby Makar
Tradução: Wagner Rodrigues

Desde que foi fundada em 1980 pelo guitarrista e compositor do Bad Religion, Brett Gurewitz, a gravadora independente Epitaph Records se tornou sinônimo de punk rock.  Várias bandas passaram por lá, como: Descendents, Pennywise, Bring Me The Horizon,  Rancid , NOFX, Bad Religion, entre tantas outras.

No entanto, 2020 ensinou a Gurewitz que “muitas pessoas que entraram no punk rock não tinham ideia do que é o punk rock“.

Em resposta ao assassinato de George Floyd em 25 de maio pelo ex-policial de Minneapolis, Derek Chauvin, e ao protesto internacional resultante por justiça social e contra o racismo sistêmico, Gurewitz dedicou a plataforma Epitaph em solidariedade para amplificar as vozes negras e promover ferramentas para se tornar um aliado.

Gurewitz conversou com a Alternative Press sobre a ética do punk e a cumplicidade do silêncio. Ele também insiste que é imperativo envolver-se no massivo movimento de justiça social que está surgindo nos Estados Unidos. Caso contrário, ele acredita que você está perdendo o objetivo do punk rock.

Como você está tentando utilizar a plataforma do Epitaph para aumentar as vozes e a visibilidade do movimento Black Lives Matter ?

Há um enorme movimento de justiça social acontecendo agora. O mundo está adotando o Black Lives Matter como nunca antes, e a Epitaph está participando disso. Como gravadora, deve uma enorme dívida de gratidão à comunidade negra, particularmente aos povos escravizados que vieram da África para cá. Não existiria rock’n’roll sem esses povos escravizados e sua bela cultura. Precisamos usar nossa plataforma para apoiar o movimento, e já o fizemos. Tivemos um blecaute completo de marketing por um período bastante longo. Mas agora estamos com artistas gravando, somos um negócio e temos que fazer o nosso trabalho.

Então, o que começamos a fazer é promover nossos artistas e ajudá-los enquanto, ao mesmo tempo, usamos nossa plataforma para amplificar vozes negras e apontar aliados em direção à ação direta. E a maneira como temos feito isso é individual. Portanto, para cada post de música, fazemos um post sobre ação direta ou amplificamos uma voz negra ou direcionamos as pessoas a recursos sobre como se comportar como aliados. É assim que estamos abordando isso, e eu encorajaria outras empresas e artistas a fazerem o mesmo.

Ao conversar com artistas que fazem parte do selo Epitaph, qual foi o seu conselho para incentivar as pessoas a se envolverem e usar sua plataforma para falar sobre essas questões?

Eu não estou dando conselhos porque eu não sou uma pessoa Negra. Mas eu estou ouvindo conselhos, e o conselho que eu tenho seguido é basicamente o que o Black Lives Matter está recomendando para os aliados, que é não expressar sua opinião se você for uma empresa branca, ou se você for uma pessoa branca, amplifique as vozes Negras e use a linguagem do movimento Black Lives Matter e direcione as pessoas a recursos para ação direta e por aí vai. A questão é que não é realmente suficiente não ser racista hoje em dia. Você precisa ser um antirracista, e o racismo não vai morrer até que as pessoas brancas vejam isso como um problema branco que elas precisam resolver ao invés de um problema Negro pelo qual nós precisamos ter empatia. Eu acho que a forma de consertar isso é mudando a perspectiva.

Desde o trágico assassinato de George Floyd e o subsequente aumento da atenção ao movimento Black Lives Matter, qual a maior lição que você aprendeu com base nos eventos do mês passado? 

Essa é uma pergunta difícil. Acho que a maior coisa que aprendi é quantos dos meus colegas da comunidade punk rock permaneceram em silêncio quando essa grande e nobre causa surgiu. Eu acho que silêncio é cumplicidade. Muitas bandas punkhardcore estão fazendo a coisa certa. Mas muitos dos que fazem parte dessa cena, uma cena enraizada na justiça social, permaneceram em silêncio. E para mim, o silêncio neste momento é cumplicidade. É um momento importante de mudança social em que as pessoas olham para trás e vêem que seu comportamento naquele momento foi crucial e revelador. É uma pena.

O que aprendi é que muitas pessoas foram atraídas para o punk por causa da violência e do aspecto anti-social, e acho que nunca entenderam a ética do punk. Mas para mim, e eu sou um dos caras originais da cena punk que ainda existe, a ética do punk sempre foi a da justiça social. Sempre foi sobre falar a verdade ao poder. A ética do punk está chocando as pessoas para mudar as normas sociais, esperançosamente para melhor. O que está alimentando a música e a necessidade de dança catártica é a raiva e o ultraje pela injustiça no mundo. É disso que se trata o punk. E isso é para nossas irmãs e irmãos negros. O futuro é multicultural. O futuro é inclusivo. Não há futuro no racismo. Eu e meus amigos do punk rock somos progressistas. Não tem nada de conservador em nós. E os aspectos feios da cena punk que sempre estiveram lá vieram à tona e realmente me fizeram sentir mal.

Quando eu vejo fãs do Bad Religion aparecendo e dizendo, ‘Bom, você sabe, Vidas Azuis Importam’, eu só sinto vergonha por esses garotos ouvirem minha música. Eles não são mais garotos. Esses caras têm tipo 40, 50 anos. Mas por sorte, a mensagem verdadeira da minha banda resistiu ao teste do tempo. A gente tem letras que falam de justiça social desde 1981. Eu inclusive fiz uma playlist de músicas de protesto do Bad Religion que passa por várias décadas, e está no Spotify e Apple [Music]. As pessoas podem ouvi-la, e as letras que se relacionam aos valores que sentíamos na época — os valores da justiça social, da justiça racial, da inclusão — eles são mais pungentes hoje do que jamais foram. Mas o que eu aprendi é que muita gente que entrou no punk rock não tinha ideia do que é o punk rock.

Às vezes, as pessoas têm medo de dizer ou fazer a coisa errada, mas querem contribuir de alguma forma. Que conselho você daria para alguém que deseja usar sua plataforma, mas simplesmente não sabe exatamente o que dizer ou o que fazer? Na sua opinião, quais são os primeiros passos para as pessoas se integrarem ao movimento?

Eu acho que a coisa errada a fazer é se tornar um especialista em racismo da noite para o dia, especialmente se você é uma pessoa branca. Eu acho que a primeira coisa que você pode fazer é educar-se. Você pode ler – há uma excelente lista de leitura no site da Epitaph e também recomendo os livros How To Be An Antiracist (Como Ser Um Antirracista) e Me And White Supremacy (Eu e a Supremacia Branca) onde você pode aprender muito. Outra dica é acessar as mídias sociais e seguir o Black Lives Matter e sites semelhantes. Eles estão tentando ensinar aos aliados como praticar a aliança, por isso, se você estiver disposto a aprender e fazer o trabalho e melhorar a si mesmo, apenas estude um pouco e use sua plataforma para amplificar vozes negras e elevar ativistas negros. É o que eu recomendaria e é o que tenho tentado fazer.

E qualquer um que esteja entrando agora, só quero dizer que são bem-vindos. Isso é outra coisa: acho que muitos da esquerda, particularmente da esquerda ortodoxa, são um pouco implacáveis e penso que é possível que pessoas com crenças racistas vejam que estão erradas e queiram mudar de opinião e mudar seus comportamentos. Acho que quando as pessoas estão dispostas a fazer isso, elas devem ser bem-vindas, porque é a única maneira de curarmos, e é a única maneira de avançar no futuro. Portanto, nós que somos da esquerda precisamos ser acolhedores e inclusivos, e aquelas pessoas que realmente não entenderam o racismo sistêmico nos EUA no passado, mas querem fazer melhor, devem trabalhar em si mesmas, quando o fazem, devem ser acolhidas calorosamente pelos movimentos de esquerda. É o que eu gostaria de ver.

Muitas pessoas estão percebendo que precisam avançar e talvez tenham que confrontar pessoas próximas a elas sobre racismo, mas talvez não saibam como abordar a questão. Que conselho você daria para alguém que precisa iniciar uma conversa com alguém sobre como tomar consciência de suas crenças racistas?

Não sou especialista em conversas difíceis. Sei que há muita literatura por aí – talvez faça alguma pesquisa por lá. Mas direi que nada substitui a conversa. Silêncio é cumplicidade. E não importa quão difícil seja, vale a pena. Temos que ficar desconfortáveis. Existem apenas duas maneiras possíveis de progredir neste mundo. Uma é violência e outra é a conversa. Se não podemos ter conversas, a alternativa não é boa. Então [se] não podemos conversar com nossa família, com quem podemos conversar? Ninguém é mais seguro para conversar. A pior coisa que você pode acabar tendo é uma briga ou um rancor, mas precisamos ter essas conversas difíceis no nível da família, no nível do local de trabalho, no nível da comunidade local, no nível do governo – é tudo sobre conversa. É tudo sobre fala. É tudo uma questão de explorar ideias. É disso que se trata. Meu conselho é sentir o desconforto, fazer o trabalho e conversar. Não é divertido defender o racismo. Tenha a conversa difícil.

Quando olhamos para esse período histórico, o que você espera que seja escrito sobre ele e tudo o que rodeia o movimento Black Lives Matter? Que tipo de mudança você almeja? 

O que espero é que este seja o momento decisivo em que Trump e seus bajuladores perderão o ímpeto e começarão a sua saída do poder, e a promessa do movimento pelos direitos civis finalmente começará a se unir ao povo negro deste país. Sinto que isso pode acontecer se nos aglutinarmos em uma mensagem de que somos todos vidas humanas e que há entre nós diferenças profundas. Existem séculos de transgressões políticas que afetaram a população negra e isso precisa ser reparado, mas por dentro somos todos pessoas, e a cor da pele não deve importar mais do que a cor do cabelo. E é para esse lugar que todos devemos migrar juntos, onde seremos uma sociedade cega à raça. E iremos nos amar independentemente da nossa aparência.